Vinícolas pagarão R$ 9.661 em indenização a cada trabalhador resgatado em condição de escravidão no RS

Foto: Reprodução/RBS TV
As vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi pagarão, em média, R$ 9.600 reais em indenização por danos morais para cada um dos 207 trabalhadores resgatados de situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves, na Serra do Rio Grande do Sul.
A indenização é fruto de Termo de Ajuste de Conduta (TAC) assinado na quinta-feira (9) entre as vinícolas e o Ministério Público do Trabalho (MPT).
Os trabalhadores eram terceirizados pela Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA e prestavam serviço para as três vinícolas.
O pagamento foi definido em negociação das empresas com o Ministério Público do Trabalho (MPT) via TAC.
Ao todo, as vinícolas pagarão R$ 7 milhões, R$ 2 milhões destinados às indenizações por danos morais e mais R$ 5 milhões que devem ser revertidos para entidades, fundos ou projetos voltados para a reparação do dano. As instituições e projetos que receberão os R$ 5 milhões serão definidas pelo MPT.
O acordo prevê que cada trabalhador ficará livre para processar individualmente qualquer uma das empresas envolvidas se quiser.
No dia 3 de março, a Justiça do Trabalho determinou o bloqueio de bens de empresas ligadas ao empresário Pedro Augusto Oliveira de Santana. Conforme o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), o bloqueio é limitado a R$ 3 milhões. O recurso é estimado para garantir o pagamento de indenizações por danos morais, verbas rescisórias e demais direitos dos trabalhadores.
Veja quanto cada vinícola pagará ao todo:
- Aurora: R$ 916.666,67
- Salton: R$ 716.666,67
- Garibaldi: R$ 366.666,66
O MPT receberá a lista final de trabalhadores a serem indenizados do Ministério do Trabalho. A partir dessa lista, o rateio será feito e os valores serão pagos.
Após a entrega da lista, as vinícolas terão 15 dias para pagar os trabalhadores. Caso as empresas descumpram o acordo, pagarão multa de 30% sobre o valor, somados a juros de 1% ao mês a partir do atraso no pagamento.
O valor não inclui as verbas rescisórias que já foram pagas pelo empregador, a empresa Fênix. O valor pago para 200 trabalhadores supera R$ 1,1 milhão.
Até a última atualização da reportagem, os funcionários que não tiveram o dinheiro depositado em suas contas são aqueles que apresentam irregularidades no CPF ou em outro documento, de maneira que o saque fica pendente até a regularização.
O empresário Pedro Augusto de Oliveira Santana, que administra a empresa Fênix, chegou a ser preso em fevereiro após o caso se revelado. Essa, porém, não é a primeira vez que ele é denunciado por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão.
Santana está por trás de uma empresa que, em 2021, foi alvo de uma queixa pelo mesmo crime feita à Justiça do Trabalho. O caso ainda não foi julgado. O advogado de Santana foi procurado, mas informou que não iria se manifestar.
Na ação, a defesa do funcionário afirma que ele foi submetido a jornadas de trabalho entre 12 e 16 horas diárias, mantido em acomodações em alojamentos “cujas condições não guardavam a mínima preservação de sua dignidade” e a ameaças e violências.
À época, segundo a defesa do trabalhador, ele prestava serviços por meio da D&G para Aurora (na colheita da uva), BRF (no carregamento de frangos) e Bonapel (não foi especificada a atividade), e que elas não fiscalizaram as condições de trabalho em que ele vivia.
Aurora, BRF e Bonapel negam que o homem tenha prestado serviço para elas.
O que dizem as vinícolas
Aurora
“A Vinícola Aurora segue atuando em diversas frentes na implementação das melhores práticas trabalhistas, sociais e, principalmente, humanas na empresa e em sua cadeia produtiva.
A assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público do Trabalho é mais um passo no sentido de reparar os danos aos trabalhadores temporários, bem como assegurar o comprometimento da empresa com medidas permanentes de promoção de condições dignas e seguras no trabalho.
À sociedade brasileira, a Aurora reafirma seu compromisso de aperfeiçoar cada vez mais os processos produtivos e mecanismos de fiscalização, garantindo aos trabalhadores, diretos e indiretos, uma jornada com segurança, salubridade, treinamento adequado e respeito”.
Garibaldi
“A Cooperativa Vinícola Garibaldi, por meio da assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta proposto pelo Ministério Público do Trabalho, ocorrida nesta quinta-feira, 9 de março, reafirma seu compromisso, perante a sociedade brasileira e a cadeia vitivinícola, de atuar de forma efetiva no cumprimento e na exigência de práticas que respeitem os direitos humanos e trabalhistas.
Além de reforçar o repúdio ao episódio e a solidariedade para com as vítimas, a adesão ao documento é uma demonstração da nossa responsabilidade social e um movimento concreto para garantir que essa situação seja resolvida da melhor forma e, principalmente, jamais se repita.
Ressaltamos que já foram adotadas práticas internas anunciadas no início desta semana, que incluem o aprimoramento da política de contratação de serviços terceirizados em questões de integridade (compliance) e alterações no processo de seleção de prestadores de serviço, com auditorias sistêmicas na execução dos trabalhos. Também está em andamento a inclusão de cláusulas contratuais em respeito à Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Nossa trajetória é de muito trabalho e dedicação, construída por gerações de pequenos produtores, e seguiremos comprometidos com as melhores práticas, respeitando nossos compromissos com a sociedade”.
Salton
“A Vinícola Salton firmou, nesta quinta-feira (09/03), acordo com o Ministério Público do Trabalho para reparar danos causados a trabalhadores e à sociedade, em função de resgate ocorrido nas dependências da empresa Fênix Serviços Administrativos, flagrada mantendo trabalhadores em condições degradantes em um alojamento em Bento Gonçalves. A Salton contratou 14 trabalhadores desta prestadora de serviços para carga e descarga de caminhões de uva na safra 2023.
Os termos do acordo, assinado pelas vinícolas Salton, Aurora e Garibaldi, reforçam que as empresas concordaram voluntariamente com o pagamento, sob a forma de indenização, no valor de R$ 7 milhões, a ser rateado pelas empresas. Além de compor o fundo dos trabalhadores resgatados, o valor será revertido a entidades, projetos ou fundos que permitam a reparação dos danos sociais causados, a serem oportunamente indicados pelo Ministério Público do Trabalho.
A Salton ressalta que assinatura voluntária deste termo tem o intuito de reforçar publicamente seu compromisso com a responsabilidade social, boa-fé e valorização dos direitos humanos, bem como a integridade do setor vitivinícola gaúcho.
A Salton e as demais vinícolas construíram conjuntamente com o Ministério Público do Trabalho procedimentos para fortalecer a fiscalização de prestadores de serviços para evitar que episódios lastimáveis voltem a ocorrer. Além disso, o acordo prevê, também, ampliar boas práticas com relação à cadeia produtiva da uva junto aos seus produtores rurais.
Por fim, o acordo se encerra com a declaração de que sua celebração “não significa e não deve ser interpretada como assunção de culpa ou qualquer responsabilidade” por parte das vinícolas pelas irregularidades constatadas na empresa prestadora de serviços Fênix Serviços Administrativos.
A Salton reforça que cumprirá prontamente as determinações do acordo e reitera que atuará ainda em frentes adicionais já apresentadas em nota pública, tais como revisão de todos os processos de seleção e contratação de fornecedores, com implantação de critérios mais rigorosos e que coíbam qualquer tipo de violação aos dispositivos legais, incluindo direitos humanos e trabalhistas; contratação de auditoria independente externa para certificar as práticas de responsabilidade social; adesão ao Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, entre outros.
A empresa reitera que repudia, veementemente, qualquer ato de violação dos direitos humanos e expressa, também, seu repúdio a todas e quaisquer declarações que não promovem a pacificação social. A Salton a procura reafirmar com este acordo a sua não omissão diante deste doloroso fato, a sua demonstração genuína de amparo aos trabalhadores e à sociedade e o seu dever moral e legal em assumir uma postura mais diligente em relação aos seus prestadores de serviços”.
Relembre o caso
No fim de fevereiro, 207 trabalhadores foram resgatados de um alojamento em Bento Gonçalves (RS). Os funcionários eram terceirizados e mantidos situações degradantes, sob ameaça e violência, segundo depoimentos prestados por eles ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Os trabalhadores foram contratados pela empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA para trabalharem na colheita de uvas das vinícolas Salton, Aurora e Garibaldi.
O caso veio à tona em 22 de fevereiro, quando três trabalhadores procuraram a polícia após fugirem de um alojamento em que eram mantidos contra sua vontade. Eles relataram agressões com choques elétricos e spray de pimenta, cárcere privado e agiotagem. Alguns dias depois, outros 14 trabalhadores baianos relataram situação semelhante.
Trabalho análoga à escravidão
Ainda de acordo com o representante do MPT, a condição análoga à escravidão ocorre em quatro situações:
- Trabalho forçado: empregador dificulta ou impede o rompimento do vínculo do trabalho pelo trabalhador por meio de coerção como agressões, ameaças, retenção de documentos ou indisponibilização de meio de transporte, sobretudo em locais remotos;
- Servidão por dívidas: quando o empregador leva o empregado a constituir dívida de forma fraudulenta, de modo que todo o seu salário acaba voltado para o empregador, e ele acaba não conseguindo se libertar dessa situação;
- Condições degradantes: aquelas que configuram total desrespeito à dignidade humana pela negação dos direitos mais básicos, como direito à alimentação, alojamento digno, saúde, segurança e higiene;
- Jornada exaustiva: quando o trabalhador é levado ao esgotamento físico e mental pela intensidade aliada à duração do trabalho.
fonte: G1