Polícia Civil de Caxias do Sul instaura inquérito para apurar crime de racismo nas falas de vereador

Polícia Civil de Caxias do Sul instaura inquérito para apurar crime de racismo nas falas de vereador

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Reprodução / TV Câmara Caxias

A Polícia Civil de Caxias do Sul instaurou um inquérito na manhã desta quarta-feira para apurar crime de racismo nas falas do vereador Sandro Fantinel (Patriota), que em discurso no plenário da Câmara Municipal da cidade na última terça-feira disse que os baianos “vivem na praia, tocando tambor” e sugeriu que agricultores e empresas agrícolas contratem trabalhadores argentinos, e não mais “aquela gente lá de cima”, em referência aos nordestinos.

O inquérito foi instaurado na 1ª Delegacia de Polícia da cidade. O delegado responsável, Rafael Keller, afirmou ao GLOBO que a investigação ainda está no início. Ainda pela manhã, ele pediu à Câmara Municipal acesso à íntegra das declarações. A princípio, apura-se crime de racismo:

— (Crime de racismo) foi o registro inicial, mas pode mudar até o final do inquérito ou até ser incluído outro crime — disse o delegado ao GLOBO.

A Polícia Civil vai analisar as imagens e as falas do vereador na íntegra. Depois, deve ouvir testemunhas e convocar a oitiva do próprio parlamentar, que terá direito de se defender.

Outras investigações

A procuradora Ana Lúcia Stumpf informou nesta quarta-feira, durante sessão da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS), que o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Caxias do Sul já entrou com expediente investigatório para responsabilizar Fantinel.

A Procuradoria Geral do Estado da Bahia (PGE-BA) também disse que vai ingressar com uma representação junto aos ministérios públicos federal e estadual contra Fantine. De acordo com a gestão do governador Jerônimo Rodrigues, o órgão pretende dar entrada em uma ação indenizatória de reparação por dano moral. A PGE-BA foi acionada pelo governador da Bahia no mesmo dia da fala do parlamentar. Pelas redes sociais, Jerônimo repudiou as declarações:

“É desumano, vergonhoso e inadmissível ver que há brasileiros capazes de defender a crueldade humana. Determinei, portanto, a adoção de medidas cabíveis para que o vereador seja responsabilizado pela sua fala”, disse Jerônimo no Twitter. “Enquanto eu for governador da Bahia, irei combater firmemente qualquer tentativa de explorar ou escravizar nosso povo”, completou.

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, chamou o discurso de Fantinel de “xenófobo e nojento” e disse que as declarações contra o nordeste não representam o povo do Rio Grande do Sul.

“Vamos buscar autoridades do querido estado da Bahia para que nos visitem e acompanhem as atitudes que já estamos empreendendo e para nos aliarmos em outras ações conjuntas de nossos estados para banir o preconceito”, escreveu em sua conta no Twitter.

Procurado, o vereador disse que não tem nada a declarar sobre o inquérito e a representação.

Manifestações legislativas

Nesta quarta, a Câmara Municipal de Caxias do Sul publicou uma nota em seu site pedindo desculpas ao povo baiano e dizendo que a mesa diretora da Casa não compactua com nenhuma manifestação de preconceito, discriminação, racismo ou xenofobia.

“Ressaltamos que foi um posicionamento individual do parlamentar. Não traduz o pensamento e os valores da instituição e nem da totalidade dos vereadores”, diz a nota.

O pronunciamento da Casa ocorre depois de o seu próprio presidente, o vereador Zé Dambrós (PSB), dizer à Gaúcha Hoje que não acha necessário uma manifestação da Câmara sobre o assunto.

“Eu, como presidente, acho que não é obrigação do presidente fazer uma resposta assim, porque o vereador vai responder todas as consequências no transcorrer do tempo”, afirmou ele, que chamou as declarações de Fantinel de “infelizes”.

A Bancada do PT, junto com o vereador Juliano Valim (PSD), protocolou uma denúncia à Comissão de Ética Parlamentar para que as devidas providências sejam tomadas.

“A Câmara e a população caxiense não pode ser representada por discursos xenofóbicos e pela relativização de crimes como trabalho escravo. Por isso, é mais do que urgente a responsabilização, para que situações como essa não voltem a se repetir”, escreveu a vereadora Estela Balardin, líder do PT na Câmara.

O secretário da Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Sandro Caron, disse que a Corregedoria-Geral da Brigada Militar está colaborando com as investigações do caso Bento Gonçalves e, nesta manhã, esteve reunida com o delegado federal que preside as investigações em Caxias do Sul, se e colocando à disposição na apuração e solicitando o compartilhamento de provas.

‘Fala um pouquinho infeliz’

Durante discurso no plenário da Câmara, o parlamentar afirmou que os baianos “vivem na praia, tocando tambor” e, por isso, “era normal que se fosse ter esse tipo de problema”, em referência aos funcionários de vinícolas resgatados no Rio Grande do Sul em condições análogas à escravidão.

— Em nenhum lugar do estado, na agricultura, teve um problema com argentino ou com um grupo de argentinos. Agora, com os baianos, que a única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor, era normal que se fosse ter esse tipo de problema. Que isso sirva de lição, deixem de lado aquele povo que é acostumado com carnaval e festa para vocês não se incomodarem novamente — discursou.

Antes, o vereador recomendou que os empresários do setor agrícola contratassem argentinos, que, segundo ele, são “limpos” e “corretos”:

— Não contratem mais aquela gente lá de cima. Conversem comigo, vamos criar uma linha e vamos contratar os argentinos. Porque todos os agricultores que têm argentinos trabalhando hoje só batem palma. São limpos, trabalhadores, corretos, cumprem o horário, mantêm a casa limpa e no dia de ir embora ainda agradecem o patrão pelo serviço prestado e pelo dinheiro que receberam.

Em entrevista ao GLOBO na terça-feira à noite, o vereador de Caxias do Sul disse que foi “mal interpretado” e que deu as declarações “no calor da discussão”.

— Fiz uma fala que foi um pouquinho infeliz. No calor da fala a gente diz coisas que depois se arrepende — afirmou o vereador. — Depois, no pequeno expediente, eu disse que eu jamais tenho alguma coisa contra os baianos, inclusive tenho amigos e primos que moram no nordeste, na parte mais norte do país. Não tenho absolutamente nada contra o povo baiano, citei (os baianos) porque estavam envolvidos no processo que está ocorrendo em Bento Gonçalves — afirmou o vereador, acrescentando que adora “as praias de lá”, da Bahia, e que o “povo de lá é muito querido”.

O parlamentar negou que tenha chamado os baianos de sujos, mas que estava se referindo à falta de limpeza em um alojamento que visitou em sua cidade.

fonte: O Globo

Redação

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